Por Pedro
Canário
O uso de
drogas é uma questão individual, ligada à dignidade de cada um, e
não há justificativa legal ou constitucional para a interferência
do Direito Penal no assunto. A argumentação é do advogado e
ex-secretário da Reforma do Judiciário Pierpaolo Cruz Bottini, do
escritório Bottini Tamasauskas Advogados, em parecer enviado ao
Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (16/4) em nome da ONG
Viva Rio.
A ONG,
que milita pela elaboração de políticas públicas de combate à
violência, foi aceita como amicus curiae no Recurso Extraordinário
635.659, em trâmite no STF. O recurso discute a constitucionalidade
da criminalização do uso de drogas, prevista no artigo 28 da Lei
11.343/2006, a lei que cria o Sistema Nacional de Políticas Públicas
sobre Drogas.
No
parecer enviado ao Supremo em nome da Viva Rio, Bottini argumenta que
o uso de drogas, por si só, afeta apenas a esfera individual de cada
um, não extravasando para a esfera de outros. Criminalizar o seu
consumo, ainda que de forma administrativa, no entendimento do
criminalista, viola os artigos 5º, inciso X, e 1º, inciso III, da
Constituição Federal.
Os
dispositivos constitucionais falam da inviolabilidade da vida privada
e da intimidade e do direito à dignidade da pessoa humana. A
criminalização do uso de entorpecentes, no entendimento do
advogado, é uma interferência indevida do Estado na esfera íntima
dos cidadãos, já que significa que a máquina repressora estatal
está interferindo em escolhas individuais que não prejudicam
escolhas alheias.
Parte
principal do argumento do advogado penalista é a violação ao
direito à dignidade. Ele escreve que o Estado, ao punir quem usa
drogas, está interferindo na “capacidade de autodeterminação do
ser humano para o desenvolvimento de um modo de vida autônomo”.
Também afronta o preceito da pluralidade do convívio social, que
significa, segundo Bottini, “a tolerância no mesmo corpo social de
diferentes mundos de vida, estilos, ideologias e preferências
morais, respeitadas as fronteiras do mundo de vida dos outros”.
“Os
princípios da dignidade e da pluralidade desenham limites ao uso do
direito penal como instrumento de controle social ou de promoção de
valores funcionais. Em sendo esta a faceta mais grave e violenta da
manifestação estatal, sua incidência se restringe à punição de
comportamentos que violem esta liberdade de autodeterminação do
indivíduo, que maculem este espaço de criação do mundo de vida”,
escreve o advogado.
Paternalismo
estatal:
Outra
violação à dignidade humana na visão de Peirpaolo Bottini é a
tentativa do Estado de, por meio da lei penal, regulamentar
comportamentos e hábitos ligados exclusivamente à esfera
individual. Essa ideia foi chamado de “paternalismo estatal” pelo
advogado.
Sua
argumentação é a de que essa concepção de repressão penal é
“incompatível com um sistema pautado pela dignidade humana,
elemento que norteia a aplicação do Direito Penal e fundamenta os
princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da
fragmentariedade, que indicam seu uso apenas em situações
intoleráveis de agressão a bens jurídicos que não possam ser
inibidas por meios menos gravosos”.
Bottini
traz em seu parecer a argumentação da Corte Constitucional da
Colômbia, de quando foi descriminalizado o uso no país. Os membros
do tribunal relacionaram o Estado paternalista com o Estado fascista:
o primeiro, ao tentar “proteger o cidadão de si mesmo” por meio
do Direito Penal, chega ao mesmo resultado de uma ditadura: a negação
da liberdade individual.
Quanto à
violação da intimidade, Bottini explica que o espaço privado é
aquele em que o cidadão exerce toda a sua liberdade de ação e
pensamento sem interferência de ninguém, nem mesmo do poder
público. “O consumo de drogas encontra-se nesse círculo íntimo
do indivíduo, protegido contra a ingerência do Estado, ao menos no
que se refere à repressão criminal”, resume o advogado.
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