Criado na
década de 70, o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por
veículos automotores de via terrestre (DPVAT) tem a finalidade de
amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território
nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes. O
seguro é útil em vários tipos de acidente e até pedestres têm
direito de usá-lo. Porém, ainda é pouco conhecido.
O seguro
obrigatório pode ser pedido pelo segurado ou pela família dele nas
seguintes situações: morte, invalidez permanente ou reembolso de
despesas comprovadas com atendimento médico-hospitalar. O
procedimento é bem simples, gratuito e não exige contratação de
intermediários.
O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) coleciona, desde 2000, decisões
importantes sobre o tema. Veja algumas delas.
Trator
ligado:
No
Julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.245.817, a Terceira Turma
atendeu ao pedido de trabalhador que sofreu amputação de uma perna
e pretendia ser indenizado pelo seguro obrigatório. O acidente
aconteceu quando ele limpava um trator que, apesar de parado, estava
em funcionamento.
As
instâncias anteriores negaram a pedido do autor, por entender que se
tratava de acidente de trabalho e não automobilístico. Para o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o acidente não foi de
trânsito, não podendo ser classificado como automobilístico, uma
vez que o trator sequer estava em movimento. O veículo não estava
transportando pessoas e o acidente ocorrido, para o tribunal
estadual, foi unicamente de trabalho.
A
relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, apontou que o fator
determinante para a incidência do DPVAT é que o dano foi causado
por veículo automotor. Para ela, os sinistros que porventura ocorram
somente serão cobertos pelo seguro obrigatório quando o acidente
ocorrer com pelo menos um veículo em movimento.
“Entretanto,
é possível imaginar hipóteses excepcionais em que o veículo
parado cause danos. Para que seja admitida a indenização
securitária, quando parado ou estacionado, é necessário que o
veículo automotor seja causa determinante do dano”, concluiu.
Apto
para o trabalho:
Já no
REsp 876.102, a Quarta Turma acolheu pedido para que a vítima de um
acidente automobilístico fosse indenizada pelo DPVAT. Segundo o
relator, ministro Luis Felipe Salomão, a cobertura do seguro não
está vinculada necessariamente à prova de incapacidade para o
trabalho.
O
acidente, ocorrido em agosto de 1989, causou à vítima lesão
permanente, que encurtou em dois centímetros sua perna esquerda. Na
primeira instância, a sentença consignou que, por ter perdido dois
centímetros da perna, a vítima deveria ser indenizada. O Tribunal
de Justiça do Distrito Federal (TJDF) reformou a sentença por
entender que o pedido não encontrava amparo nas provas dos autos,
pois não ficou configurada a invalidez permanente.
O relator
do caso no STJ destacou que a indenização coberta pelo DPVAT tem
como fato gerador dano pessoal advindo de acidente de trânsito ou
daquele decorrente da carga transportada por veículo automotor
terrestre, não ostentando, portanto, vinculação exclusiva com
incapacidade laborativa permanente, a qual encontra sua reparação
no âmbito previdenciário.
“Caracterizada
a deformidade física parcial e permanente em virtude de acidente de
trânsito, encontram-se satisfeitos os requisitos exigidos pela Lei
6.194/74 para que se configure o dever de indenizar”, afirmou.
Fim
social:
Ao julgar
o REsp 875.876, a Quarta Turma manteve condenação do HSBC Seguros
Barsil S/A ao pagamento de indenização a um pai que teve seu filho
morto em decorrência de acidente automobilístico. O colegiado
entendeu que a indenização devida à pessoa vitimada, decorrente do
seguro obrigatório, pode ser cobrada integralmente de qualquer
seguradora que opere no complexo, mesmo o acidente tendo ocorrido
antes de 13 de julho de 1992. A data marca a entrada em vigor da Lei
8.441/92, que alterou a lei do DPVAT (Lei 6.194), possibilitando a
cobrança.
Em
novembro de 2002, o pai ajuizou ação de cobrança contra o HSBC
objetivando o recebimento do seguro obrigatório. Sustentou que seu
filho faleceu em maio de 1987, em decorrência de acidente de
automóvel, e que a seguradora não efetuou o pagamento da
indenização securitária, no valor correspondente a 40 salários
mínimos, e não devolveu a documentação anexada ao processo
administrativo.
Em seu
voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que o STJ,
mesmo para casos anteriores à Lei 8.441, entende que a ausência de
pagamento do seguro não é motivo para recusa ao pagamento da
indenização.
“Na
verdade, não se concebe que o seguro, que tem fim inequivocamente
social, possa conceder a quem dele mais necessita apenas metade da
indenização a que faz jus aquele que sabe a identificação do
veículo e que, por conseguinte, pode mover ação em face do
condutor e/ou proprietário. Ademais, a redução da indenização,
em caso de o veículo não ser identificado, não se mostra
razoável”, acrescentou.
Companheiro:
No
julgamento do REsp 773.072, o STJ concluiu que a indenização do
DPVAT é devida integralmente ao companheiro da vítima. A Quarta
Turma reformou decisão da Justiça paulista que entendeu que a
autora da ação de cobrança, companheira do falecido, teria direito
a apenas metade do valor da indenização. O restante deveria ser
destinado aos filhos do casal, que não constaram no processo.
Para o
ministro Luis Felipe Salomão, o acidente, ocorrido em 1985, devia
ser regido pela Lei 6.194/74, que determinava o levantamento integral
do valor da indenização do seguro DPVAT pelo cônjuge ou
companheiro sobrevivente. Apenas na falta desse beneficiário seriam
legitimados os herdeiros legais.
A
sistemática foi alterada com a Lei n. 11.482/07. O novo dispositivo
prevê que a indenização seja agora paga na forma do artigo 792 do
Código Civil. Isto é: o valor da indenização deve ser dividido
simultaneamente em partes iguais, entre o cônjuge ou companheiro e
os herdeiros do segurado. A nova norma incide sobre acidentes
ocorridos a partir de 29 de dezembro de 2006.
Indenização
proporcional:
No REsp
1.119.614, o STJ entendeu que é possível o pagamento proporcional
de indenização do seguro DPVAT em caso de invalidez permanente
parcial em decorrência de acidente de trânsito. Para o colegiado, a
lei que disciplina o pagamento do seguro DPVAT (Lei 6.194), ao falar
em “quantificação de lesões físicas ou psíquicas permanentes”,
a ser feita pelo Instituto Médico Legal, dá sentido à
possibilidade de estabelecer percentuais em relação ao valor
integral da indenização.
A vítima
do acidente de trânsito era um cobrador de ônibus da região
metropolitana de Porto Alegre (RS). Ele sofreu perda da capacidade
física com debilidade permanente do braço direito. Concluído o
processo administrativo movido por meio da seguradora, o pagamento
foi feito após constatada a invalidez permanente, em valor
proporcional.
O relator
do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, destacou que, caso
fosse sempre devido o valor integral, independentemente da extensão
da lesão e do grau de invalidez, não haveria sentido em a lei
exigir a “quantificação das lesões”. Por isso, o STJ ratificou
o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)
sobre a questão.
Prescrição:
Ao julgar
o REsp 1.220.068, o STJ concluiu que o prazo de prescrição para o
recebimento da complementação do seguro obrigatório por danos
pessoais, quando pago em valor inferior ao fixado em lei, é de três
anos. O recurso foi interposto pela família de uma menina morta após
acidente em Minas Gerais.
Os pais
pleitearam administrativamente indenização securitária com valor
fixado em lei. Menos de dois meses depois, houve o pagamento em
quantia inferior ao devido pela seguradora e, assim, eles pediram a
complementação. Insatisfeitos com a negativa da pretensão,
entraram com ação de cobrança do valor restante da indenização
contra a Companhia de Seguros Minas Brasil.
Para o
STJ, o prazo de recebimento da complementação do valor segurado
deveria ser o mesmo prazo de recebimento da totalidade do seguro, que
prescreve em três anos. Foi considerado ainda que esse prazo se
inicia com o pagamento administrativo à família do segurado, marco
interruptivo da prescrição anteriormente iniciada para o
recebimento da totalidade da indenização securitária.
Em outro
julgamento (REsp 1.079.499), a Terceira Turma entendeu que a contagem
do prazo de prescrição para indenização por invalidez permanente
pelo DPVAT corre a partir do laudo conclusivo do Instituto Médico
Legal.
O
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia negado o pedido de
indenização da acidentada, porque o evento ocorrera em fevereiro de
2003 e a ação só foi iniciada em outubro de 2006. Para o TJRS,
como a prescrição para tais ações é de três anos, o pedido da
autora não poderia ser atendido.
Para o
relator do caso, ministro Sidnei Beneti, o início da contagem pode
variar, a depender do tipo de indenização pretendida. Isso porque,
conforme o motivo da indenização, muda a documentação requerida
para obtê-la, o que pode levar à alteração da data de início da
contagem da prescrição.
O
ministro ressaltou, ainda, que a nova redação da Lei 6.194 exige
que seja apurado o grau de incapacidade do segurado pelo Instituto
Médico Legal competente, para que seja fixada a indenização em
proporção à extensão das lesões.
“Assim,
se o exame médico é condição indispensável para o pagamento da
indenização do seguro obrigatório por invalidez permanente, a
contagem do prazo de prescrição só pode correr a partir da ciência
da vítima quanto ao resultado do laudo conclusivo”, acrescentou.
Juros:
Na
Reclamação (Rcl) 5.272, a Segunda Seção entendeu que em ações
de complementação de indenização do seguro obrigatório, os juros
moratórios incidem a partir da citação. A Seção julgou
procedente reclamação de seguradora contra uma segurada.
A Seção
também revogou a liminar anteriormente deferida, que havia
determinado a suspensão de todos os processos em que se discutia a
mesma controvérsia nos juizados especiais cíveis dos estados.
Para os
ministros do colegiado, a jurisprudência do STJ estabelece que,
mesmo nas ações em que se busca o complemento de indenização
decorrente do seguro obrigatório, por se tratar de ilícito
contratual, os juros de mora devem incidir a partir da citação, e
não da data em que ocorreu o pagamento parcial da indenização. É
o que afirma a Súmula 426 do Tribunal.
Local
de cobrança:
No
Conflito de Competência (CC) 114.690, o STJ concluiu que o autor de
ação para receber o seguro DPVAT pode escolher entre qualquer dos
foros possíveis para ajuizamento de ação decorrente de acidente de
veículo: o do local do acidente, de seu domicílio ou ainda do
domicílio do réu.
No caso,
uma moradora de São Paulo ajuizou ação no Rio de Janeiro, local de
domicílio da seguradora. De ofício, o juiz rejeitou a competência
por entender que a ação deveria ser proposta onde a autora residia.
O Juízo
da 6ª Vara Cível de Santo Amaro (SP), para onde foi enviado o
processo, também rejeitou a competência para julgar a ação e
submeteu o conflito negativo de competência ao STJ. O relator,
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, observou que esse era um caso de
competência relativa com base em critério territorial.
Segundo o
relator, o juiz do Rio de Janeiro não estava com razão, tendo em
vista a faculdade do autor da ação de escolher onde quer ajuizá-la.
Assim, declarou competente o juízo de direito da 16ª Vara Cível do
Rio de Janeiro.
Queda
de carreta:
No
julgamento do REsp 1.185.100, a Quarta Turma entendeu que é indevida
a indenização decorrente do seguro de danos pessoais causados por
veículos automotores de via terrestre, o DPVAT, se o acidente
ocorreu sem o envolvimento direto do veículo. A Turma negou
provimento ao recurso de um trabalhador de Mato Grosso do Sul que
reclamava indenização por queda ocorrida quando descia de uma
carreta estacionada.
Segundo o
ministro Luis Felipe Salomão, a improcedência do pedido se faz pelo
fundamento de que o veículo há de ser o causador do dano, e não
mera “concausa passiva do acidente”. O ministro examinou a
adequação da ação em razão da possibilidade e da probabilidade
de determinado resultado ocorrer, o que vale dizer que a ação
supostamente indicada como causa deve ser idônea à produção do
resultado.
“No
caso concreto, tem-se que o inerte veículo de onde caíra o autor
somente fez parte do cenário do infortúnio, não sendo possível
apontá-lo como causa adequada (possível e provável) do acidente,
assim como não se pode indicar um edifício como causa dos danos
sofridos por alguém que dele venha a cair”, assinalou.
Arrendatário:
Ao julgar
o REsp 436.201, a Quarta Turma decidiu que, como consumidor final, o
arrendatário em contratos de leasing de veículos automotivos é
responsável pelo pagamento do seguro DPVAT. O recurso era de uma
seguradora que pedia o ressarcimento do seguro obrigatório pago em
razão de acidente causado por veículo que a empresa de leasing
arrendou para terceiro.
Em seu
voto, o ministro Aldir Passarinho Junior apontou ter havido duas
interpretações, uma majoritária e outra minoritária, para a
matéria nas instâncias inferiores. A primeira é que a obrigação
do seguro DPVAT seria propter rem (não dependente da vontade das
partes, mas de obrigação legal anterior), ou seja, ele é imposto
ao proprietário do veículo, no caso a empresa que o arrendou. A ela
caberia fiscalizar e exigir do arrendatário o pagamento do seguro e
demais encargos.
A outra
interpretação considera que o arrendatário é o responsável, já
que o contrato de leasing demonstra o ânimo deste em adquirir o bem,
em conservá-lo como seu. O próprio contrato já indicaria a
responsabilidade do arrendatário em pagar impostos, seguros e demais
taxas. Foi a essa linha que o ministro Passarinho filiou seu voto. O
ministro destacou que o contrato de leasing tem a particularidade de
a propriedade continuar com o arrendante, mas que a posse e o uso do
bem são exclusivos do arrendatário. Ele considerou que seria
interesse do próprio arrendatário pagar o DPVAT, já que ele visa
adquirir o veículo.
Legitimidade
do MP:
Um
julgado importante foi o REsp 858.056. A Segunda Seção decidiu que
o Ministério Público (MP) não tem legitimidade para propor ação
civil pública visando garantir a complementação do pagamento de
indenizações pelo seguro obrigatório.
O MP de
Goiás constatou, em inquérito civil, que vítimas de acidentes de
trânsito receberam indenização em valores inferiores aos previstos
em lei. Por isso, ajuizou ação civil pública contra a seguradora.
O objetivo era garantir a complementação do pagamento e indenização
por danos morais às pessoas lesadas.
O juízo
de primeiro grau declarou que o MP não tinha legitimidade para
propor a ação, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal de
Justiça goiano. Ao julgar recurso especial da Áurea Seguros S/A
contra a decisão do tribunal estadual, a Segunda Seção do STJ, de
forma unânime, entendeu que a complementação pretendida
caracteriza direito individual identificável e disponível, caso em
que a defesa cabe à advocacia e não ao MP.
O
relator, ministro João Otávio de Noronha, destacou que a Lei
Orgânica do Ministério Público determina que cabe a este órgão a
defesa de direitos individuais indisponíveis e homogêneos. Mas,
para ele, o fato de a contratação do seguro ser obrigatória e
atingir toda a população que utiliza veículos automotores não
configura indivisibilidade e indisponibilidade. Também não
caracteriza a relevância social necessária para permitir a defesa
por ação coletiva proposta pelo Ministério Público.
Para
reforçar o entendimento, o relator explicou no voto que o seguro
obrigatório formaliza um acordo que vincula apenas a empresa de
seguro e o segurado. Essa é uma relação de natureza particular,
tanto que, na ocorrência de sinistro, o beneficiário pode deixar de
requerer a cobertura ou dela dispor como bem entender. Por isso não
se trata de um direito indisponível.
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