Grupo que
retirava órgãos e fazia transplantes seria responsável por ao
menos uma morte; sentença é em primeira instância e os quatro
poderão recorrer em liberdade às condenações, que variam de 8
anos a 11 anos e 6 meses de prisão em regime fechado
A Justiça
mineira condenou ontem quatro médicos do sul do Estado envolvidos em
um esquema de tráfico ilegal de órgãos e tecidos humanos. O juiz
Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da 1.ª Vara Criminal de Poços
de Caldas, acredita que os acusados tenham cometido ao menos um
homicídio para a retirada de rins, fígado e córneas. Há a
suspeita de que outras mortes estejam relacionadas à quadrilha.
A
denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) partiu de
investigações que deram origem à Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) de Tráfico de Órgãos, que tramitou na Câmara dos
Deputados em 2004.
Segundo o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Alexandre Crispino Zincone foi
condenado a 11 anos e 6 meses de prisão; os urologistas Cláudio
Rogério Carneiro Fernandes e Celso Roberto Frasson Scafi e o
nefrologista João Alberto Goes Brandão foram condenados a 8 anos de
prisão, todos em regime fechado.
A
sentença está relacionada à investigação sobre a morte de José
Domingos de Carvalho, de 38 anos, que foi internado em abril de 2001,
na Santa Casa da cidade, após sofrer um acidente doméstico, e teve
os órgãos retirados.
Os
médicos poderão recorrer da sentença em liberdade, mas o
magistrado ordenou a apreensão dos passaportes e o descredenciamento
do Sistema Único de Saúde (SUS).
O MPE
denunciou outras duas pessoas, mas o juiz declarou a extinção da
punibilidade dos acusados, pois eles já completaram 70 anos, idade
em que a prescrição ocorre na metade do tempo. O magistrado
determinou que o caso seja encaminhado aos Conselhos Federal e
Regional de Medicina para apuração administrativa que pode resultar
até na cassação dos registros desses dois profissionais.
O
caso:
Segundo o
processo, os acusados trabalhavam em uma central clandestina chamada
MG-Sul Transplantes, que operaria uma lista própria de receptores de
órgãos e tecidos.
Segundo a
denúncia, um dos médicos "praticou homicídio doloso"
contra um paciente do SUS, outros dois retiraram os órgãos e um
quarto vendeu o material, com intermediação de um quinto acusado.
Os acusados ainda teriam cobrado por transplantes custeados pelo SUS.
Outras
mortes. Castro relatou que auditorias feitas em instituições de
saúde da cidade revelaram outros problemas graves. Há a suspeitas
de que outras mortes tenham sido praticadas para a retirada de
tecidos e órgãos.
Segundo o
magistrado, os mortos eram de pacientes "jovens, pobres, aptos a
se candidatarem a doadores". Eles ficavam dias sem tratamento ou
com terapia incorreta e eram mantidos sedados "para que os
familiares, na maior parte semianalfabetos, não desconfiassem de
nada".
O juiz
salientou o caso de um paciente que foi atendido inicialmente em "bom
estado neurológico e consciente", mas que, após ficar sem
assistência ou monitoração por vários dias - quando deveria ter
sido levado para o Centro de Terapia Intensiva -, teve a morte
confirmada.
O mesmo
médico que atendeu e "não assistiu adequadamente o paciente"
foi o que declarou sua morte encefálica, procedimento vedado pela
lei.
O Estado
tentou falar com os acusados, mas eles não foram encontrados. Nos
escritórios dos advogados Roberto Maya Castellari e Frederico Gomes
de Almeida Horta, que representaram os médicos, ninguém atendeu.
Ato
pode virar crime:
A
comissão de juristas do Senado que discute mudanças no Código
Penal aprovou em abril de 2012 uma proposta para criar o crime de
tráfico de órgãos. Hoje, por falta de lei específica, a retirada
de órgãos é enquadrada como lesão corporal, com penas
consideradas baixas. O texto prevê quatro tipificações para o
crime. A maior pena, de até 10 anos, ocorreria no caso de remoção
que tenha causado "debilidade permanente" à vítima.
Atualmente, a maior pena é de oito anos. (O Estado de S. Paulo)